A pandemia de COVID-19 deixou marcas profundas nas dinâmicas urbanas brasileiras, acelerando tendências já em curso e criando novas demandas para os espaços construídos. Com a consolidação do trabalho híbrido e a ressignificação dos centros urbanos, o retrofit e a requalificação de edifícios existentes emergem como estratégias fundamentais para a revitalização das áreas centrais das cidades brasileiras, combinando preservação patrimonial, sustentabilidade e inovação tecnológica.
O que é retrofit e por que está em alta no cenário atual?
O retrofit consiste na modernização e readequação de edificações existentes, preservando elementos estruturais e características arquitetônicas relevantes, enquanto atualiza sistemas, funcionalidades e eficiência energética. Diferentemente da reforma convencional, o retrofit busca prolongar significativamente a vida útil do edifício, adaptando-o às necessidades contemporâneas.
“O retrofit vai muito além de uma simples reforma. Trata-se de um processo complexo que envolve diagnóstico preciso, projeto multidisciplinar e execução especializada, com o objetivo de trazer nova vida a estruturas existentes”, explica Renata Santos, arquiteta especializada em requalificação de edifícios históricos.
Fatores que impulsionam o retrofit no Brasil pós-pandemia:
- Vacância nos centros urbanos: Com a migração de empresas para modelos híbridos de trabalho, edificações comerciais enfrentaram taxas de vacância recordes, chegando a 30% em áreas centrais de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.
- Déficit habitacional: O Brasil possui déficit estimado de 6 milhões de moradias, enquanto milhares de imóveis permaneceram subutilizados nos centros urbanos.
- Sustentabilidade: A readequação de edificações existentes gera significativamente menos resíduos e emissões de carbono em comparação a novas construções – estudos apontam redução de até 75% nas emissões de CO₂.
- Novos marcos legais: Legislações como o Estatuto da Cidade, leis de retrofit municipais e incentivos fiscais específicos têm criado ambientes mais favoráveis a estes projetos.
- Retorno financeiro: Edifícios retrofitados podem apresentar valorização de 25% a 40% em comparação com imóveis convencionais nas mesmas localidades, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas.
Desafios técnicos do retrofit em centros urbanos brasileiros
A transformação de edificações existentes, especialmente aquelas construídas entre as décadas de 1940 e 1980 que compõem grande parte dos centros brasileiros, apresenta desafios técnicos específicos que demandam conhecimento especializado e soluções inovadoras.
Principais desafios técnicos:
Adequação estrutural
Edificações antigas frequentemente apresentam sistemas estruturais incompatíveis com novos usos propostos. “Um dos maiores desafios é adaptar estruturas dimensionadas para cargas e configurações diferentes, muitas vezes sem documentação técnica completa disponível”, afirma Carlos Oliveira, engenheiro estrutural com experiência em readequação de edifícios históricos.
Soluções incluem:
- Reforço estrutural com fibra de carbono e materiais compósitos
- Técnicas não-destrutivas de investigação estrutural
- Modelagem computacional avançada para análise de desempenho
Instalações prediais
A atualização de sistemas elétricos, hidráulicos e de climatização representa um dos pontos mais críticos dos projetos de retrofit.
“Edificações das décadas de 50 e 60 não foram projetadas para a demanda elétrica atual nem para os sistemas modernos de climatização e automação. É preciso criar novas infraestruturas muitas vezes em espaços extremamente limitados”, destaca Fernanda Lima, engenheira especialista em instalações prediais.
Tendências neste segmento incluem:
- Sistemas de shaft visitáveis e modulares
- Utilização de forros e pisos elevados para passagem de instalações
- Tecnologias wireless para reduzir necessidade de infraestrutura física
- Sistemas hidráulicos e elétricos compactos e de alto desempenho
Eficiência energética
A transformação de edifícios antigos em estruturas energeticamente eficientes é um desafio central, especialmente considerando as características construtivas típicas dos edifícios modernistas brasileiros, com grandes superfícies envidraçadas sem proteção solar adequada.
Estratégias para melhoria da eficiência incluem:
- Substituição de vidros por opções de alto desempenho térmico
- Instalação de sistemas de sombreamento externos e internos
- Atualização de sistemas de climatização com tecnologias inverter
- Implementação de sistemas de automação e gestão energética
- Integração de energias renováveis como painéis fotovoltaicos
Cases de sucesso e tendências emergentes
Conversão de uso comercial para residencial
Com o aumento do trabalho remoto e a crescente demanda por moradia bem localizada, a transformação de edifícios comerciais em residenciais tem se destacado como tendência predominante.
O Edifício 7 de Abril, localizado na Rua Basílio da Gama, próximo ao Copan e ao Edifício Itália, passa por um retrofit que transformou o antigo prédio comercial, conhecido por abrigar a Companhia Telefônica Brasileira (CTB) e a Telesp, em um empreendimento residencial de alto padrão.

“A conversão para uso residencial representa o maior volume de projetos de retrofit atualmente, especialmente em edifícios construídos entre 1940 e 1970 que não atendem mais às demandas do mercado corporativo”, observa Paulo Mendes, pesquisador de mercado imobiliário.
Edifícios inteligentes em estruturas históricas
A integração de tecnologias de automação, conectividade e gestão em edificações históricas tem criado uma categoria híbrida de “edifícios inteligentes-históricos”.
Outro exemplo significativo é o projeto de modernização do Terminal 1 do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins. Este projeto prevê a ampliação das áreas comerciais, revisão dos fluxos e processos — que englobam áreas de meio-fio, raio-X, check-ins, restituição de bagagens, salas e portões de embarque — com o objetivo de preparar o terminal para os próximos 20 anos de operação.
Projeto de Retrofit Terminal 1 – Aeroporto Internacional de Belo Horizonte (Foto reprodução: fernandes.arq.br)
Verticalização de baixo impacto
Uma tendência emergente envolve a adição de novos andares em edificações existentes, utilizando técnicas construtivas leves como estruturas metálicas e wood frame.
O Conjunto Nacional, icônico edifício na Avenida Paulista em São Paulo, passou por um processo de retrofit que incluiu a adição de um pavimento técnico na cobertura, utilizando estrutura metálica e vidro, sem comprometer a integridade arquitetônica do conjunto.
“A verticalização controlada através de materiais leves permite aumentar o potencial construtivo de edificações existentes sem sobrecarregar fundações e estruturas originais”, destaca Amanda Oliveira, engenheira civil especializada em retrofit.
Aspectos regulatórios e incentivos
O sucesso dos projetos de retrofit está diretamente ligado ao ambiente regulatório e aos incentivos oferecidos pelo poder público. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm implementado legislações específicas para facilitar e estimular projetos de requalificação.
Principais avanços regulatórios:
- Lei de Retrofit Municipal (São Paulo): Permite flexibilização de parâmetros urbanísticos para edificações anteriores a 1992, incluindo redução de exigências de estacionamento e áreas comuns.
- Incentivos fiscais: Redução de IPTU, ISS e outras taxas para projetos de retrofit em áreas prioritárias de requalificação urbana.
- Revisão de códigos de obras: Adaptação de normas técnicas para contemplar as particularidades de edificações existentes, sem comprometer segurança e habitabilidade.
- Transferência do direito de construir: Possibilidade de negociação do potencial construtivo não utilizado em edificações históricas.
“Os marcos regulatórios têm evoluído positivamente, mas ainda há espaço para aprimoramentos, especialmente no que diz respeito à simplificação de processos de aprovação e à integração com políticas habitacionais”, analisa Roberto Cerqueira, consultor em políticas urbanas.
Impactos sociais e urbanos da requalificação
A requalificação de áreas centrais por meio do retrofit tem potencial para gerar transformações urbanas significativas, revertendo processos de esvaziamento e degradação que afetaram os centros de muitas cidades brasileiras nas últimas décadas.
Benefícios sociais e urbanos:
- Redução de deslocamentos: Ao trazer moradia para áreas centrais já dotadas de infraestrutura, contribui para reduzir o tempo de deslocamento e a pressão sobre sistemas de transporte.
- Dinamização econômica: A revitalização de edifícios gera circulação de pessoas e atividades econômicas em áreas subutilizadas.
- Preservação da memória urbana: Mantém elementos arquitetônicos representativos de diferentes períodos históricos, fortalecendo a identidade local.
- Segurança urbana: Áreas com maior diversidade de usos e ocupação constante tendem a apresentar melhores índices de segurança.
“A requalificação urbana através do retrofit pode ser uma ferramenta poderosa de combate à gentrificação, desde que combinada com políticas habitacionais inclusivas”, defende Luciana Monteiro, urbanista e pesquisadora em desenvolvimento urbano sustentável.
O futuro do retrofit no Brasil
As perspectivas para o retrofit e a requalificação urbana no Brasil são promissoras, com projeções de crescimento anual de 12% a 15% para o setor nos próximos cinco anos, segundo a Associação Brasileira de Retrofit e Restauro.
Fatores que sustentam essa perspectiva:
- Conscientização crescente sobre sustentabilidade na construção civil
- Novos modelos de negócios e financiamento para projetos de requalificação
- Avanço tecnológico em métodos construtivos adaptados para retrofit
- Pressão social e econômica para melhor aproveitamento de áreas centrais
“O futuro da construção civil nas grandes cidades brasileiras passa necessariamente pelo retrofit. Não é apenas uma questão econômica, mas ambiental e social. Precisamos olhar para o estoque construído como um recurso valioso a ser otimizado”, conclui Ricardo Bueno, presidente da Associação Brasileira de Retrofit e Restauro.
Conclusão
O retrofit e a requalificação urbana representam uma fronteira promissora para o setor da construção civil no Brasil pós-pandemia. Mais que uma tendência passageira, constituem uma resposta necessária aos desafios de sustentabilidade, déficit habitacional e revitalização dos centros urbanos.
Para profissionais e empresas do setor, este cenário demanda atualização técnica, conhecimentos específicos e visão integrada que combine preservação patrimonial, inovação tecnológica e sensibilidade às dinâmicas urbanas contemporâneas.
À medida que as cidades brasileiras buscam reinventar-se após o impacto da pandemia, o retrofit emerge não apenas como oportunidade de negócio, mas como estratégia fundamental para construção de centros urbanos mais sustentáveis, inclusivos e dinâmicos.
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